quinta-feira, 28 de abril de 2011

VISITA

Era final de tarde. Cheguei à cidade numa sexta-feira. As luzes tinham formato de estrela, amareladas. O asfalto novo, enfeitava a avenida, canteiros com flores violáceas, azuis, o verde já musgo pela luz da lua.
O centro da pequena cidade reduzia-se a algumas lanchonetes, duas padarias, bares, bancos, a prefeitura, outros órgãos públicos e duas praças. A mais central, charmosa, maior, bancos de alvenaria, brancos, postes de luz com globos enfeitados, redondos, uma fonte com estátuas de anjos sorrindo.
A igreja em frente à praça, imponente. As janelas imitam a arte gótica. O sino lá no alto e dois anjos pequeninos em cada extremidade do teto.
A noite acordava. Saí do hotel e fui caminhando pela avenida principal. Tive a impressão de estar numa cidade de vampiros, tendo em vista que não havia tanta gente durante a tarde como agora. Os quatro bares que serviam chopes, cervejas e outras bebidas enfeitiçadas, ferviam. Garotos, garotas, toda idade misturada. Famílias e amigos encontrando-se. A simpática garçonete cujo crachá a personaliza de Edir, me contou que não era assim toda noite. Apenas nos finais de semana. Algo que eu previa.

Sábado de manhã. Às 8 horas eu estava na padaria comendo um gostoso pão de queijo, enorme, suculento e um copo de suco sem açúcar.

Meia hora depois eu estava abrindo a porta da velha casa. Gafanhotos e morcegos devem ter herdado esse lugar. Aranhas seduzem outros insetos e os arrastam para suas teias. A poeira encontrou abrigo.
Moveis escuros, mobília pesada, antiga, fazendo companhia com lustres vindos de fora há anos.
Abri a janela da sala principal. Isso depois de puxar com delicadeza as pesadas e longas cortinas de tecido, sua brancura adormeceu em meio ao pó não limpo.

Nessa sala principal havia dois ambientes, uma mesa de madeira e verniz, oito cadeiras estofadas com assento dourado, no meio um castiçal prateado. Certamente uma jóia. A sua frente a combinar um armário servindo de aparador. O abri e avistei os aparelhos de jantar, lindos. Porcelanas, vidro, e até taças de cristal. Sem nenhuma violência quebrei uma delas e meu dedo se furou. Uma gotícula de sangue espalhou-se no belo tapete que aparava a mesa.

Lavei a mão na pia da cozinha mesmo. Retornei pelo longo corredor, onde havia cinco portas. Os quartos, de portas fechadas. Abri aquela que reconheci. Adentrei. A mesma cama, de solteiro. O abajur que iluminava minhas leituras no mesmo ponto. A prateleira com os livros. O armário quase vazio, não fossem os lençóis, o cobertor que minha avó deu-me de presente. E travesseiros com fronhas azuis, bordadas com desenhos de mar.

Escutei um raio. Lá fora o tempo se armava. A chuva já molhava o canto dos meus olhos. A minha memória veio carcomer os utensílios que ali ficaram.

Vi a casa grande, de cor rosa, cheia de pessoas. Meus cinco irmãos. Meus avós felizes. Meus pais tentando forjar a felicidade. Meus sobrinhos correndo pelo jardim. As azaléias ventando para não serem quebradas. Os pássaros em espetáculo passando pelo céu e rasgando nossas fantasias.
Vi os amigos dividindo segredos, sendo ajudados por meu prestativo pai. Sendo gentis com minha adorável mãe. Vi meus avós partindo e desde então todas as partidas. Como se um raio partisse minhas lembranças ao meio.
Olhei o quintal do fundo, a chuva orvalhando a roseira sem rosas, a mangueira alta, da qual quedei algumas vezes. Molhando a parreira sem uvas, os limões que não paravam de cair. A varanda ainda tinha o mesmo fogão a lenha, a mesma mesa de dez cadeiras  e a mesa redonda de quatro cadeiras, a primeira quando meus pais se casaram.
Fiquei ali, imóvel.

Minha irmã mais velha apareceu sorrindo em meu devaneio.

Loucura parar e lembrar?

Escapou um sorriso e correu alegre, festeiro pela sala.

Fechei a velha casa, o rosa desbotado. Olhei a pequena cidade, renovada, cinzenta agora após o temporal. As folhas verdes bem vivas antes do anoitecer.

O ônibus partia e eu olhava a vista da pequena cidade que sumia atrás dos vidros.

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