terça-feira, 25 de maio de 2010

doses de veneno



Enquanto a chuva se espalha, ela cobre os espelhos. Pedro abraça o violão e compõe uma nova canção. Ela acende as velas, fecha os olhos e faz uma oração...Amanda foi sem Pedro, decidiu seguir sem ele. Tia Amaranta quebra o copo, lê o destino e perde o chão...Pedro não correu atrás de Amanda, não derramou lágrimas nem caminhou de volta. Amanda visitou as cartas e saiu a fim de realizar seu destino. Ela quis sair, tocar o mundo, ver Paris e melodiar seu refrão. Ela sorria e o mundo aplaudiu...Maquiou o sonho enquanto pôde por causa de Pedro...O amor fala mais alto. Mas as cartas determinaram sua escolha. Ela não quis mais enganar um sonho que começa a acordar. Tia Amaranta sabia ler o que ainda não era, mas o que um dia seria...Pedro & Amanda se conheceram ao acaso num bar...ao som de BB King..

seus olhos se olharam

seus lábios se beijaram

seus corpos se fundiram!

Marisa interpretava Caetano...ele a pediu em namoro. Aos poucos um foi conquistando o outro, até que o outro era um.

As famílias se conheceram...as mães se enciumaram...Rê - a prima invejosa, o tio solitário, a tia professora, o bêbado filosofo, o primo babaca, o avô com alzeimer...

Antes da briga ela consultou o tarô.

Tia Amaranta lia as cartas, o tarô e assistia a novela das oito tomando coca, afogada num prato de arroz com ovos mexidos.

Amanda decidiu viver o sonho. Pedro adormeceu sonhando viver ao seu lado.

A chuva se cansa de molhar as lembranças. Pedro não termina a melodia. Amanda fecha os olhos. Pedro abre os braços. Amaranta fecha a casa...Ele acorda...elas se deitam. Ele liga...ela atende.

Ele chora, ela suspira!

Ele atira...ela espera...

declara seu amor...Ela espera o tempo secar...Sua resposta repousa no ar... Cada som tem sua nota...cada um a sua história...

ela soube do fim! ela soube por mim...e partiu atrás do sonho...

Amaranta espera que um dia se esclareça... Pedro supera a sua perda...Amanda lembra da mentira que eu contei. Amaranta, pobre coitada! Nada tinha a não ser suas cartas....

Pedro as queimou...

eu contei a verdade...mas a que eu montei de verdade...fiz isso por mim...pelo amor que eu desejei desconstruir.

pedro e amanda brigaram então...e a melodia tocou sem refrão

amaranta sobe as escadas, apaga as velas e se atira pela insônia...que adormece num labirinto de dúvidas.

inventei uma traição que aconteceu... mas pobre amaranta...que anoiteceu sem pedro...ele na cama que não era delas.

sem pausas...

meu corpo descansa nos braços do sim

o toque do seu adultério se tocou em mim

pensei em não te dizer, mas por enquanto, espere que o sonho irá acordar!

sábado, 22 de maio de 2010

A casa rosa


O sol batia forte. A casa não tinha mais a cor viva. As cadeiras de ferro já enferrujadas. Lembrava do rosto, mas não do sonho. Que esteve perdido...

Ouvi vozes. O arrastar de minha vó... A distribuição dos móveis era a mesma. A madeira não cheirava mais a ipê...A sala escurecida pelas grandes cortinas rendadas, umas sobrepostas às outras. Uma árvore alta, de flores amarelas, a cor viva. Meu quarto aceso à meia luz pelo abajur pequeno de base cor azul, quebrável. Colocado da mesma maneira, na cabeceira da cama, que possuía um baú com abertura lateral e aparador em cima. A chuva chorou as lembranças. A tarde silenciou o alvoroço de todos que transitavam no passado. E eu encontrando o futuro, perdido nessa memória presente. O tempo levou a vitrola. Os dias se passaram com o vôo dos pássaros, procurando o verão. O chimarrão está frio e a mesa de centro está no canto da parede amparando objetos de porcelana e metal... a imponente estante preta não mais suporta tanto peso sobre ela. Pendida sobre o tempo.

Não ouço as conversas que se misturavam, nem vejo as pessoas amigas que se aglomeravam.

O pó encobriu o deserto das horas. A tela mantem as silhuetas.

A casa rosa não tem mais a sua cor viva... O sol se foi, a neblina envolve a cidadela. Os sonhos são outros. A vida passa...

Ligo o coração, aperto stop... me vou para o norte. E assim a história continua.

descrevo essa memória

para constar.

sábado, 1 de maio de 2010

vi * * * m a r i a



Houve um segredo. De quem teve medo. Guardou-se a sete chaves. As chaves até perderam: nas fagulhas do tempo.



a menina Maria usava vestido rosa, enfeitava o cabelo com um laço e dava um nó nas sandálias que apertava-lhe os pés.


ela apenas via...


apenas via porque não tinha boca, nem tinha nariz, nem tinha ouvido...


ela nunca sorria...ela apenas olhava a água doce do córrego ainda limpo correr para sei lá onde...


uma cobra cascavel veio-lhe tirar os sentidos.


Essa senhora que se arrastava pelos gramados e pela lama da fazenda, não possuía sensibilidade para entender o que uma pobre menina vestida de rosa faria com tantos sentidos...


eis que então tirou-lhe quase todos...


pois deixou os olhos para que ela visse


visse a grama verde sendo comida pelo boi


visse o pássaro voando em comitivas para sei lá onde.


visse ela mesma se arrastando perversa, venenosa e peçonhenta pela areia branca, fazendo trilhas pelo caminho


seu guizo é escutado, menos pela pobre maria


maria menina morena... com olhos de feno


olhos escurecidos que anoiteceram cedo


logo quando a cobra a enrolou pelo pescoço, foi-se alisando e soltando seu veneno...


maria ainda ouvia


ainda ouviu o guizo traiçoeiro


parecia uma música de ninar


mas era a cobra a celebrar


olhos de serpente, corpo comprido... tiraram-lhe mãos e pernas


e ela esbraveja doida


urrando ao céu em nome de algum culpado


pela triste desgraça de rastejar


rastejou muitos morros para chegar em maria


e maria nem nascia


mas quando maria nascia a cobra maldita já vinha


toda se remexendo, serelepe e


tomou a menina e a enroscou... seu guizo feriu os ouvidos


mas ela enganou para que cantasse uma melodia.


maria nascia e morria


morria nela o dia


o dia de sorrir, de falar e de escutar


agora agorinha maria só via


a venenosa abriu a boca, ergueu as presas e envenenou o rio


que corria doce na frente do olho de maria


maria pegou uma enxada...que o pau carpia


sem hesitar abriu a cobra sei lá um dia


tirou todos os seus roubados e costurou


na velha máquina que começava cantarolando um som tão sereno


cheio de batuques e maria ia sorrindo pregando a boca de volta,


o difícil foi o nariz que se entupia por um descuido da pobre maria


mas logo cheirou


e cheirou o rio e lambeu o doce


ai maria! ela nem sabia


que ali o veneno corria...


as chaves desse segredo estavam no bucho da cascavel... ai! eu abri e vi o que ainda maria não via.