Houve um segredo. De quem teve medo. Guardou-se a sete chaves. As chaves até perderam: nas fagulhas do tempo.
a menina Maria usava vestido rosa, enfeitava o cabelo com um laço e dava um nó nas sandálias que apertava-lhe os pés.
ela apenas via...
apenas via porque não tinha boca, nem tinha nariz, nem tinha ouvido...
ela nunca sorria...ela apenas olhava a água doce do córrego ainda limpo correr para sei lá onde...
uma cobra cascavel veio-lhe tirar os sentidos.
Essa senhora que se arrastava pelos gramados e pela lama da fazenda, não possuía sensibilidade para entender o que uma pobre menina vestida de rosa faria com tantos sentidos...
eis que então tirou-lhe quase todos...
pois deixou os olhos para que ela visse
visse a grama verde sendo comida pelo boi
visse o pássaro voando em comitivas para sei lá onde.
visse ela mesma se arrastando perversa, venenosa e peçonhenta pela areia branca, fazendo trilhas pelo caminho
seu guizo é escutado, menos pela pobre maria
maria menina morena... com olhos de feno
olhos escurecidos que anoiteceram cedo
logo quando a cobra a enrolou pelo pescoço, foi-se alisando e soltando seu veneno...
maria ainda ouvia
ainda ouviu o guizo traiçoeiro
parecia uma música de ninar
mas era a cobra a celebrar
olhos de serpente, corpo comprido... tiraram-lhe mãos e pernas
e ela esbraveja doida
urrando ao céu em nome de algum culpado
pela triste desgraça de rastejar
rastejou muitos morros para chegar em maria
e maria nem nascia
mas quando maria nascia a cobra maldita já vinha
toda se remexendo, serelepe e
tomou a menina e a enroscou... seu guizo feriu os ouvidos
mas ela enganou para que cantasse uma melodia.
maria nascia e morria
morria nela o dia
o dia de sorrir, de falar e de escutar
agora agorinha maria só via
a venenosa abriu a boca, ergueu as presas e envenenou o rio
que corria doce na frente do olho de maria
maria pegou uma enxada...que o pau carpia
sem hesitar abriu a cobra sei lá um dia
tirou todos os seus roubados e costurou
na velha máquina que começava cantarolando um som tão sereno
cheio de batuques e maria ia sorrindo pregando a boca de volta,
o difícil foi o nariz que se entupia por um descuido da pobre maria
mas logo cheirou
e cheirou o rio e lambeu o doce
ai maria! ela nem sabia
que ali o veneno corria...
as chaves desse segredo estavam no bucho da cascavel... ai! eu abri e vi o que ainda maria não via.
Publicado o conto da moça sem braços e pernas que me disse há um bom tempo atrás.
ResponderExcluirtá muito bom! Adorei =)