segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

O relógio


O alface enfeitava de verde o prato de janta. Bruno comeu pensando, pouca fome. E olha que a fome sempre é muita. Nesse horário então. Mas hoje uma tristeza invadiu o pensamento dele. Bruno não conseguia pensar em nada a não ser na sua perda. Ele guardou durante muito tempo um pequeno relógio que ganhou de seu amigo na escola. Esse amigo chamava-se Otávio. Foi embora há uns dez anos para São Paulo. Nunca mais se viram. A única lembrança para Bruno de Otávio era o relógio. Que agora estava perdido. Bruno foi para o quarto, trancou a porta e pensou tristonho naquele amigo e na lembrança. Ligou o computador, acessou o facebook. Leu as mensagens e os comentários de seus amigos. Por último havia uma solicitação. Ao ver a foto não reconheceu. Mas pelo nome, não podia acreditar. Era Otávio Suél. Seu velho amigo. Mas que diferente estava nas fotos. Como mudou. Não tem mais a pele de um menino. Os olhos vagueiam na idade. Ficou um tempo olhando e no outro dia conversaram e trocaram messenger. Nas férias ano passado Bruno foi visitar Otávio em Sampa. Se falam sempre, a amizade mudou, cresceu. Eu penso sempre nessa história desse meu amigo Bruno quando alguém diz sobre as coisas finitas. E lembro que nada é finito. Tudo ser retomado. Reformado, revivido. A vida caminha, muitas vezes em círculos, mas nunca fechados.

domingo, 30 de janeiro de 2011

O sonho de Marisa

Marisa deitou cedo. Apagou o cigarro, desligou o pensamento. Ao fechar os olhos não imaginava o sonho. Sonhou com o amor. O amor que ainda não conhecia. No sonho, ela andava pela rua, quando de repente encontrou um jovem de dezoito anos, dois anos a mais que ela. Ele era alto, moreno, bonito. Para os seus gostos. Os dois conversavam, sonhos são acontecimentos truncados, enredados, sem entendimento racional. O amor estava posto. Ela encontrava-o para casar. Vestida de branco, ele no seu uniforme de herói. Ela, pronta para viver. O beijo. Acordou sossegada. O sol raiava pela janela. Ela sorriu e contentou o coração. Marisa olhou-se no espelho. Sorria, de felicidade pelo sonho. Apenas um sonho. Mas não se sabe. A vida para uma mocinha de dezesseis é ainda uma inteira. Marisa enfeitou seu dia, perfumou seus desejos e saiu, pronta para amar. Não se sabe se o sonho seria real. Ou quem sabe, a realidade seria outra, próxima do sonho. Mas o bom era ter sonhado. Sonhado com o príncipe encantado!

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011


CISNE NEGRO é um filme perturbador. Perturba pois mexe com o desejo, principalmente o desejo de perfeição. A perfeição nunca é alcançada, mas a buscamos constantemente. O que diferencia em Nina é que não há controle sobre essa busca. O medo de fracassar é tão grande e fatal que a torna escrava de si mesma. Na medida em que o cisne negro entra em cena, suas asas negras dão o tom da fantasia, que perpetua a terrível busca da protagonista. Uma louca transitoriedade entre o real e o imaginário, num profundo vôo, marcado pelo medo e pelo desejo. A arte e o desejo se aproximam pela energia do sexo, pela sede de se deleitar no prazer sexual. Nina está tão enredada nessas tramas que suas penas vão brotando pelos ombros numa animalesca melodia. O cisne branco morre em favor da vilã. O espelho reflete os atos brutais contra a vida. Mas numa ingenuidade fragilizada e hostilizada por princípios artísticos e desumanos.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Menino do mato

O menino usava botas. Estavam sujas de barro. O estilingue preso nas mãos. As mãos sujas de infância. O rio se alastrava manso. O som do passarinho melodiava a trilha sonora constante. O menino procurando uma aventura naquele mundo imenso. Mundo seu. O bosque escondia o perigo. Mas não para ele. Que conhecia os bichos, os ninhos, os nichos, as cobras, as margens e as dobras. O fundo do rio azul dava para um novo mundo. A pequena ponte improvisada de árvore caída de raio, servia de passagem para outro mundo. Sua vida era muita, aos dez anos. Seu dia era enorme. Seu sonho estava ali.